Este artículo intenta problematizar la aceptación tácita por parte de las ciencias sociales en general –y de las prácticas etnográficas en particular– de cierta realidad a la que denominaremos ortodoxia ontológica u ontodoxia. El argumento es el siguiente: la filosofía de la ciencia del siglo xx sacó a la física de la posición de ser la cota de referencia invisible a la hora de juzgar la validez ontológica de todas las preguntas epistemológicas, fueran científicas o no. Dos de las implicaciones lógicas y metodológicas de este hecho –y seguramente las más relevantes para las humanidades y las ciencias sociales– son que cualquier investigación sobre el mundo o sobre un mundo no debería: 1) dar por sentadas las cualidades físicas del mundo (este mundo), ni 2) reducir las dimensiones ontológicas de tal mundo a sus aspectos físicos conocidos. Estas aseveraciones plantean a la etnografía desafíos metodológicos que hasta ahora no han sido analizados. Proponemos pensar en una “Antropología posnormal”, en el sentido que a este último término le atribuyeran Silvio Funtowicz y Jerome Ravetz (1991, 1993) a la hora de enfrentar situaciones en las que el encuentro etnográfico se da en contextos de verdadero choque ontológico y donde los marcos conceptuales que estructuran la perspectiva del etnógrafo no pueden permanecer sin alteraciones.
This paper intends to problematize the tacit acceptance of certain physical reality(ies) –what we will call ontological orthodoxy, or ontodoxy– by social sciences in general, and by the ethnographic practices in particular. The argument runs as follows: 20th century philosophy of science removed physics from the position of invisible benchmark for ontological validity of all epistemological inquiries, scientific or not; two of the logical and methodological implications of this fact –and certainly the ones that are most relevant for the humanities and the social sciences– are that any inquiry into the (or a) world should not: 1) take the physical qualities of the (this) world for granted, and 2) reduce the ontological dimensions of such world to its known physical aspects. These assertions pose methodological challenges to ethnography that have not been addressed so far. We claim that a post-normal anthropology, in the sense given to post-normal by Silvio Funtowicz and Jerome Ravetz (1991, 1993) allows to refer and to conceptualize situations in which the ethnographic encounter takes place in contexts of real ontological clash, and where the conceptual frameworks that structure the perspective of the ethnographer cannot remain unchanged.
Este artigo procura problematizar a aceitação tácita de certa(s) realidade(s) física(s) –o que chamaremos de ortodoxia ontológica, ou ontodoxia– pelas ciências sociais em geral, e pela prática etnográfica em particular. O argumento pode ser resumido da seguinte forma: a filosofia da ciência do século XX removeu a física da posição de padrão de referência invisível para a validação ontológica de toda e qualquer indagação epistemológica, científica ou não; duas das implicações lógicas e metodológicas deste fato –e certamente as mais relevantes para as humanidades e as ciências sociais– são o fato de que uma indagação sobre o (ou em um) mundo não deve: 1) assumir as qualidades físicas deste mundo como dadas, e 2) reduzir as dimensões ontológicas do mesmo aos seus aspectos físicos conhecidos. Tais asserções colocam desafios metodológicos à etnografia que ainda não foram tratados devidamente. Afirmamos que uma antropologia pós-normal, no sentido dado à expressão por Silvio Funtowicz e Jerome Ravetz (1991, 1993), permite a referencia e conceituação de situações nas quais o encontro etnográfico ocorre em contextos de choque ontológico real, e onde o marco conceitual que estrutura a perspectiva do etnógrafo não é capaz de permanecer inalterado.